Joana Bom.Fotojornalista.Cobre temas de conflito na conjuntura actual,refugiados na Europa. Recentemente, encontra-se a trabalhar num registo fotográfico documental sobre As comunidades ribeirinhas

01/04/2020 11:28

 

QUOTIDIANO

Retratos da vida às margens do rio

(em curso)

Serpenteadas pelas águas que banham a floresta da Amazónia, nas proximidades de Belém do Pará, encontramos diversas ilhas. Nelas habitam comunidades de alguma ascendência indígena e quilombola. Estas comunidades, portadoras de enorme ancestralidade, são na sua generalidade extractivistas, vivendo essencialmente daquilo que a natureza lhes oferece. A sua relação com esta é assim harmoniosa, incluindo um grande sentido de respeito e responsabilidade pelo meio envolvente. As famílias, normalmente numerosas, agrupam-se em casas autoconstruídas denominadas de palafitas. Filhos, avós e netos coabitam e todos assumem a sua função. Os mais jovens sobem agilmente as palmeiras para apanhar o açaí, enquanto os mais velhos debulham e catam e as mulheres batem-no para o jantar.
O açaí abunda nesta região e por isso ele é central não só na alimentação, mas também como fonte de renda. Com os barcos carregados de rasas, cestas com cerca de 28 quilos do fruto do açaí, logo bem cedo se viaja em direcção à cidade. Aí já os esperam carregadores e comerciantes de restaurantes e lojas locais prontos para a negociação. A rede de comércio de açaí é bastante alargada. Ela estabelece uma relação entre a cidade e o mato, com as águas nem sempre barrentas da Amazónia a mediá-la. O caos urbano de uma cidade superpovoada e desigual contrasta com a paz das ilhas que circulam Belém. Contudo, são muitos os jovens que anseiam aceder àquilo que a cidade lhes pode oferecer: continuar os seus estudos para um nível superior e o sonho de poder ir além.
Por aqui o dia começa cedo. Ainda de madrugada, os mais jovens saem para subir o açaizeiro e colher o precioso fruto. Antes das sete da manhã já estão de volta e sente-se o cheiro a café passado. Uma pequena pausa, os barcos carregados, e é hora de seguir para Belém. Neste pequeno braço de um rio maior, o trânsito de rabetas, pequenos barquinhos familiares, é intenso. Ao longo dos diferentes furos, pequenas entradas de água onde é possível parar e aceder às casas, saem barcos carregados de açaí e de vizinhos amigos. Avistam-se também os mais pequeninos, trajados a rigor para a escola, localizada também ao longo do rio. Chegado o fim do dia a actividade principal é ir à reza. Um barco um pouco maior passa nas casas apanhando principalmente mulheres, adolescentes e crianças. Dentro do barco, já outros se acomodaram e agora conversam sobre o jogo de Bingo que também terá lugar nessa noite. Aprumados e com os cabelos bem alinhados e cheirosos a óleo de algum outro fruto, todos estão prontos para a missão. Com a passagem do barco ao longo do rio o breu instala-se, e o que reina é o som dos animais que habitam a imensidão do que já não se vê.
© 2018 Joana Bom

 

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