Entrevista com Clarice Gon?alves por Matias Monteiro do site Dando Nomes Aos Bois.(Revista de Arte)

24/10/2011 15:07

Nome: Clarice Gonçalves
Idade: 23


Em Brasília, devemos ficar atentos a obra de: Elder Rocha

 

DNB: Há um perceptível interesse na disposição das telas como um fator composicional, algo que fica muito evidente nessa última exposição [Como se fosse uma pele de tinta, Galeria Objeto Encontrado. 2009.] quando você mostra o avesso das pinturas e utiliza uma tela como suporte para outra... Essa sempre foi uma questão pra você?
 
 


DNB: Os formatos e o enquadramento de algumas pinturas remetem a uma relação com a fotografia. De que formas a imagem fotográfica está presente na sua produção?

Clarice: Salvo as primeiras pinturas na infância e pré-adolescência e uma série de auto-retratos que fiz ao espelho em 2003/2004, toda a produção é baseada em fotografias. São imagens que coleto sempre, que me chamam por trazerem algo de vivência, uma memória não necessariamente minha... de meus antepassados, como se ao perder a memória e tendo-se a possibilidade de recuperá-la através de imagens eu seguisse encontrando esses fragmentos de cenas, sentimentos, histórias, confissões.. que essas personagens ancestrais viveram ou viveriam se presentes nesses tempos atuais.


DNB: Com a passagem da exposição A Virada Russa [CCBB – Brasília] tivemos na cidade a oportunidade de conferir um capítulo importante da história da pintura, em especial o advento da abstração. É interessante percebermos que a maioria dos artistas que hoje trabalham com a pintura em Brasília são figurativos. A figuração sempre esteve presente nos seus trabalhos? Como você vê sua produção em relação ao contexto local?

Clarice: Sim, sempre figurativo, desde criança e ainda por cima mulheres, sempre desenhei mulheres de toda sorte de vestimetas e sentimentos. Na produção atual acredito que a figuração seja um bom exercício técnico, é como se o realismo fosse um termômetro de quão "boa" é a técnica. Se parece fotográfico acredita-se que a técnica é suficiente. Partindo daí criam-se efeitos e texturas, sempre tentando não perder a fotogenia da pintura, a imagem é transcrita para a pintura sem necessariamente ser pintura, há um mesmo tratamento na superfície da tela, como se um filtro texturizado fosse usado na imagem, as possibilidades da pintura ficam limitadas à fidedignidade da imagem em que se baseia. Acho difícil "ver minha produção num contexto local”, se tem em comum, sim, é a figuração a partir da fotografia e a tinta á óleo, somente.

DNB: A mulher é um tema recorrente em sua produção, quer em pintura, fotografia, desenhos e gravuras... qual o papel do feminino em sua obra?

Clarice: A vida. É o que vivo, o que vejo, de onde vim, o que nos circunda... o que limita e liberta, são os valores, a criação. Vivi quase sempre numa família de mulheres e, quando não, as figuras masculinas sempre me foram menos interessantes. A criação, socialização quase que de regra é feita por mulheres, mães, tias, avós em um ambiente doméstico cheio de mistérios, tabus e não ditos. Num certo ponto do caminho passei a me observar, procurar na minha personalidade e hábitos até onde era hereditário, até onde eu permitiria que certas manias e meios de viver continuassem se perpetuando a partir de mim e percebi como é difícil, árduo, se desfazer de elementos de você que foram assimilados na mais tenra infância, e solidificados com o passar dos anos e também o quanto é importante se dar conta disso.

DNB: As teorias feministas constituem uma área de interesse em suas pesquisas?
 
Clarice: Já foram sim. É interessante saber de onde se supõe que qualquer coisa tenha "começado". Nossa história sempre supõe algo e afirma a partir de algum ponto de vista de interesse no momento. A partir daí, mais especificamente a partir das vivências reais, não acredito em vítimas ou culpados. Homens e mulheres têm suas parcelas de "culpa" por tudo que tenha acontecido de terrível para ambos e para a sociedade, e isso repercute até os dias de amanhã. Quer achemos correto ou não, continuam sendo as mulheres com a maior parte da responsabilidade pela educação de novos seres humanos, e até onde limitadamente sei, haveriam de ser as mesmas a tomar a atitude de ir quebrando o ciclo de depreciações de si e do que seria o feminino ou o masculino ou o que quer que a sexualidade humana alcança. As diferenças devem ser respeitadas, conhecidas e valorizadas. Diferenças, que digo não só de gênero, mas de indivíduo para indivíduo.


DNB: Em matéria recente no Correio Brasiliense, em comemoração ao dia da mulher, você citou Suzana Camillión como uma influência importante para você. Como se deu essa aproximação?
 
Clarice: Susana é uma mulher incrível, suas vivências, histórias, interesses, tudo o que viu, e tudo o que produziu, ela foi com certeza uma grande inspiração para todos que puderam partilhar de sua presença no período que esteve aqui em Brasília. A relação a que ela se permitia ter conosco, de abertura, de confiança de dar conselhos e, para nossa surpresa, pedir alguns às vezes... Convivemos no Departamento de Artes da UnB e por ela trabalhar com pintura e desenho figurativos, naturalmente a aproximação se deu. Companheira de trabalho, sempre procurando, pesquisando... me inspirou muito, mesmo que na época grande parte da minha produção estivesse apenas latente ou timidamente guardada no ateliê.

DNB: Você já teve problemas institucionais com algumas de suas obras; como no caso de uma pintura que retratava um beijo entre duas mulheres e uma em que um menino está parcialmente desnudo. Como encara as reações que essas obras causaram em parte do público?
 
Clarice: Muito natural. O ser humano, salvo raríssimas exceções, continua o mesmo de décadas atrás (principalmente partindo do princípio do ciclo auto destrutivo da socialização), é natural que cenas assim tenham ainda tal aversão por parte de um público específico. Acredito também nas afinidades entre quem vê e o que é visto, a identificação que se faz entre a imagem e quem a vê a partir de suas vivências e expectativas, fora a influência do contexto onde a obra está. As pinturas citadas foram expostas num ambiente de trabalho burocrático, é de se esperar que certas temáticas não sejam bem vindas, mas como houve um consenso entre os organizadores da exposição (que já haviam visto a mesma exposição em outro local) que concordaram em apresentar tais obras correndo esse risco certeiro de rejeições.


DNB: Suas obras costumam ter títulos bastante sugestivos e enigmáticos; esse tencionamento entre a pintura e o título sugere uma narratividade presente em sua pintura. Como você trabalha essa questão?

Clarice: Gosto da narrativa, mas não de forma ilustrativa. Os títulos das obras surgem como um haicai em conjunto com a imagem, uma informação por vezes não precisa, ambígua e sintética. Em alguns trabalhos confirmam algo presente na pintura, noutros formam uma barreira semi-permeável para a leitura, o "entendimento" da obra. A narrativa se faz menos em relação aos títulos, que entre as obras, num conjunto ou grupo de trabalhos.

 


Fonte:http://losbois.blogspot.com 

Clarice: Sempre não, mas nos últimos três anos tenho pensado em explicitar um pouco como as obras são feitas, o clima do ateliê. É assim que na maioria das vezes as telas ficam no meu local de trabalho, amontoadas, lado a lado e inclusive uma dentro do verso da outra. Além do que acho que isso contextualiza a obra como um todo. As pinturas criam um sentido diferente a cada disposição, a cada relação que fazem com as obras vizinhas e com o espaço.

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